Resenha | O Último Adeus, de Cynthia Hand.
- Isabela Lima
- 27 de mai. de 2018
- 8 min de leitura
Ficha Técnica
Título: O Último Adeus
Autor(a): Cynthia Hand
Edição: 2016
Ano de publicação: 2015
Páginas: 350
Editora: Darkside

Conheci esse livro por acaso enquanto perambulava pelo site da Amazon, li a sinopse e me interessei de cara por tratar do tema suicídio. É bem mórbido, eu reconheço, mas adoro narrativas que discutam esse tema que é um tabu em nossa sociedade.
O Último Adeus vai contar a história de Alexis, uma garota que está tentando lidar com a perda repentina de seu irmão Ty para o suicídio. Tyler se mata usando uma espingarda que tinha em sua casa. Sua mãe, transtornada e sem rumo tenta se anestesiar bebendo vinho e trabalhando sem parar como enfermeira. Seu pai, um contador deixou a família depois de se apaixonar pela secretária e aparece em alguns momentos da narrativa, mas pelo que me pareceu, ele não é de demonstrar muito, o que me deixou em dúvida se ele sente a morte do filho, mas isso fica claro quase no fim do livro.
“Nunca liguei para meu pai, esse é o problema.
Não desde que ele foi embora.
Ele me liga, se precisar marcar alguma coisa. Nós nos encontramos uma vez por semana, e esses encontros, geralmente em restaurantes, duram cerca de uma hora, no máximo. Conversamos sobre o trabalho. Conversamos sobre a escola. Às vezes, ele me dá dinheiro, um sinal de que sente muito por ter ferrado com a minha vida, palavras que sei que nunca ouvirei dele. Aceito o dinheiro. Gosto de dizer que é o imposto do pai ruim. E não me sinto mal com isso, já que a maior parte das economias que meus pais reservaram para a minha faculdade foi comida pelo divórcio.” (O Último Adeus, p. 131)
Tyler se mata, mas antes disso deixa claros sinais de que precisa de ajuda. Meses atrás de sua fatal morte, ele tenta se matar tomando várias cápsulas de Advil, mas antes mesmo de fazer efeito, ele conta a sua mãe e ela o leva para o hospital, onde lhe fazem lavagem. Depois disso ele passa a tomar antidepressivo, mas isso parece não melhorar seu estado, visto que na escola ele briga com um de seus colegas e entram em luta corporal. Ele termina com a namorada e lhe deixa um bilhete lhe explicando que ele não a merecia.
“Você é tão perfeita e tão linda, tão gentil, e quando estou com você, quero ser essas coisas também, quero ser a melhor pessoa, mas a verdade é que não consigo. Estou perdido. Tenho fases nas quais acho que tudo vai fica bem e que o céu é azul e tal, quando consigo sentir o sol e o ar entrando e saindo dos meus pulmões e penso a vida é boa. Mas então, todas as vezes, também sei, no fundo, que a escuridão está vindo. E não vai parar de vir. E quando eu estiver na escuridão, vou estragar tudo. E se você estiver comigo, vou estragar você também. Você merece coisa melhor.” (O Último Adeus, p. 276)
“Olho ao redor para as últimas coisas que Ty viu: os rastelos e pás enferrujadas encostados na parede, o cortador de grama cheio de grama, nosso aspirador de neve quebrado, o velho carrinho de mão com pneu murcho, o saco de ração de cachorro que ainda está ali, apesar de nosso cachorro ter morrido um ano atrás. O cheiro é de poeira, óleo de motor e plantas apodrecendo.
É um lugar deprimente para morrer. Escuro, frio e assustador.
Imagino o tiro, como ele deve ter enchido o lugar com o barulho, como deve tê-lo ensurdecido nos poucos segundos que ele pôde ouvir. Imagino a pólvora, o cheiro subindo no ar. O cheiro de sangue. O frio do cimento contra o rosto dele quando a sua visão desapareceu. Ele deve ter se sentido muito sozinho aqui.” (O Último Adeus, p. 158)
Ty deixou sinais, só que ninguém estava consciente o suficiente para percebê-lo.
“Eu não sabia que você era fotógrafo, digo. Ele afasta os cabelos despenteados dos olhos com as costas da mão.
- Estou me esforçando. Vendo se consigo fazer a câmera falar por mim ou algo assim. Sou invisível para as pessoas, sabe? Por isso fica fácil conseguir fotos interessantes.
Isso parece meio assustador.
- Você não é invisível, digo. – Estou vendo você.
Ele sorri o sorriso tímido de novo.
- Eu sei. Mas com algumas pessoas... a maioria, na verdade, eu simplesmente me torno parte da paisagem. Se eu desaparecesse um dia, desaparecesse de verdade e nunca mais voltasse, ninguém notaria.
Sou o contrário, penso. Tenho a sensação de que já desapareci, a Lex que eu fui, e algumas pessoas definitivamente notaram que eu sumi. Mas o fato de notarem que desapareci não quer dizer que consigo voltar.” (O Último Adeus, p. 117)
O divórcio, essa ruptura entre seus pais abre claramente uma ferida nos filhos. Ty que sempre tentava chamar a atenção do pai se vê sem o mesmo e a partir daí passa a declarar em voz alta que o odeia e que acha bom que ele foi embora, mas Alexis e sua mãe sabem que ele é um dos mais que se magoaram no processo do divórcio.
“Ele chorou. Acho que ele chorava todas as noites, de verdade, mas eu me recordo de uma noite em especial. Acordei com ele chorando, um choro agudo que tomou a casa. Saí da cama e andei de meias até o quarto dele, subi nas grades do berço e me deitei ao lado dele.
Ele parou de chorar para olhar para mim.
Puxei o cobertor dele para cobrir seu corpo de novo. Ele o afastou com os pés. Estava frio.
- Não se preocupe, falei. – Vou cuidar de você.
Ficamos desse jeito não sei quanto tempo, olhando um para o outro.
Então, meu pai chegou, sorrindo para nós dois, com a mão em minha cabeça, e disse: “Ah, veja vocês dois, quietinhos e confortáveis. Você o acalmou direitinho. Muito bem, docinho. Muito bem.
E eu me lembro de ter sentido orgulho. Eu tinha corrigido as coisas que estavam erradas.” (O Último Adeus, p. 197)
Sua mãe, preocupada decide colocar Alexis num terapeuta para conversar durante trinta minutos, já que ela parece estar inerte e sem muitas reações, o que chega a preocupar. Alexis vai nos contar que não sente vontade de chorar e que até tenta, mas depois da noite em que se deparou com o corpo de Ty na maca do necrotério com seus pais nunca mais chorou. Era como se seus dutos lacrimais tivessem secado para sempre.
“- Tive um pesadelo, só isso. Estou bem.
Ela entra e se senta à beira de meu colchão. Quando eu era pequena e tinha pesadelos, às vezes, ela se deitava em minha cama comigo e ficava ali pelo resto da noite, o corpo tão quente, macio e seguro que os pesadelos vão voltavam. E então, quando meu pai foi embora, durante todo o resto daquele verão horroroso, dormi com ela porque ela não suportava ficar na cama grande deles sozinha, sem ele.
Ela roncava. Alto. Como um porco ferido. Mas quando ela ficava na minha cama quando eu era pequena, uma cama tão pequena que ela tinha que dormir de lado para caber, eu costumava fazer xixi na cama. As coisas que fazemos pelas pessoas que amamos.” (O Último Adeus, p. 146)
Toda sua rotina escolar muda, ela não consegue manter as notas altas em algumas matérias e se vê em mais uma derrota, já que seu sonho era ir para o MIT. Louca e apaixonada pelos números, ela deseja estudar matemática no MIT e para isso precisa ter um boletim e um histórico escolar impecáveis.
“Tento não pensar sobre a nossa situação financeira, porque, se fizer isso, vai ficar cada vez mais claro que o divórcio dos meus pais foi o fator principal de nossos problemas atuais, e não posso fazer nada com essa informação, além de ficar muito brava. Mas presto atenção a números: sei que a morte de Ty custou $10.995: só o caixão foi $2.300, mais todas as taxas da funerária (embalsamar, guardar o corpo, aluguel do espaço para o velório etc., que acabou em cerca de $3.895), mais o que eles cobraram pela retirada do cadáver e pela limpeza ($400), mais a flores ($200), mais o túmulo no Wyuka ($1.300) e o custo do enterro ($1.000), e por fim, a lápide, que custou exatos $2.000).” (Ó Último Adeus, p. 161)
Ela passa a faltar algumas aulas porque não consegue encarar seus amigos. El, Beaker e Steven lhe encaram com feições de pena e receio, não sabem como lidar com a amiga que acabou de perder seu irmão.
“Sinto a garganta apertar. Sinto saudade sinto saudade sinto saudade. O buraco em meu peito explode. Não consigo respirar não consigo respirar. Pessoas estão atrás de mim, esperando para usar a máquina, então não tenho tempo para deixar o buraco passar sozinho. Eu dou um passo para o lado e forço as pernas a se mexerem, a descerem o corredor em direção ao banheiro, entro, praticamente corro até o último compartimento, sento em cima da tampa do vaso sanitário, abaixo a cabeça em direção aos joelhos, puxo o ar e penso que talvez o remédio que Dave sugeriu não seja uma ideia tão ruim assim. Está claro que não estou bem.” (O Último Adeus, p. 189)
Ty também estava na mesma escola com Alexis, o que faz com que todos na escola acabem a conhecendo e a encarando como a irmã do cara que se suicidou. Uma coisa que me chamou muita atenção no livro foi o modo como foi retratado a instituição escola diante do suicídio.
“Dezessete suicídios de adolescentes. Dezessete.
Folheio os livros da minha mãe. Sei que dezessete não são muitos, quando se considera que mais de trinta mil pessoas se suicidam nos Estados Unidos todos os anos, a décima causa mais comum de morte, a terceira mais comum entre adolescentes. Eu poderia ter analisado as estatísticas, os sinais de alerta a que eu deveria estar atenta, fatores que colocaram Ty em risco. Ele vivia em uma casa onde havia armas, o que aumentava a probabilidade de morte por suicídio 5,4 vezes. Ele vinha do que pode ser classificado como “lar destruído”, o que aumentava três vezes mais as chances. Ele era do sexo masculino, o que aumentava suas chances cinco vezes, uma vez que as garotas tentam se suicidar com mais frequência, mas os garotos têm mais sucesso na realização. Ty havia terminado um relacionamento recentemente, ou sofrido uma decepção amorosa, ou seja lá o que aconteceu com Ashley. As notas dele vinham caindo. Ele estava passando por altos e baixos. Andava deprimido. Já tinha tentado antes.” (O Último Adeus, p. 223)
A escola do Tyler parece ignorar completamente o suicídio de um de seus estudantes. Um dia depois do ocorrido somem com tudo que pertenceu ao garoto e deixam na casa da mãe, como se suas coisas fossem tóxicas, contaminadas por algum vírus. Ao longo do livro não vi nenhuma figura de importância na escola que tentasse abordar o assunto. Nem uma palestra, nenhuma nova abordagem da parte dos professores. Tudo fica por baixo dos panos, como se fosse um segredinho torpe da escola. E foi esse fato que me fez redigir a primeira coluna do site. Achei importante falar sobre isso, sobre como uma instituição tem o poder em mãos e não o usa para tentar acolher seus estudantes.
“A mesma cara do dia em que ele e Fauxhawk levaram aquela caixa para a nossa casa, três dias depois do meu irmão morrer, quando a escola pegou todas as evidências que restavam de Tyler James Riggs e as mandou deixar na nossa casa. Tiraram o nome dele da lista de chamada. Até eliminaram os registros escolares dele do resto do ano, como se pudessem apagar a existência de Tyler de uma vez. Aposto que eles não fizeram isso com Hailey McKennett, que perdeu a batalha contra a fibrose cística há dois anos, enm com Sammie Sullivan, que morreu devido a complicações causados pela pneumonia, nem com Jacob Wright, que morreu em um acidente de carro ao voltar dirigindo para casa, bêbado, depois de uma festa no lago Branched Oak, no verão passado. Jacob ganhou uma árvore plantada para ele na frente da escola, com uma placa sob ela pela qual passo todos os dias, na qual se lê SENTIREMOS SAUDADES, J. Sammie ganhou um minuto de silêncio durante a primeira aula daquele ano e uma página inteira de anuário escolar dedicada à sua memória. Eles disseram o nome de Hailey na formatura. Mas Ty teve seu armário esvaziado e as coisas foram devolvidas à minha mãe, antes mesmo de nós o enterrarmos. Porque foi suicídio. Porque eles não querem dar a impressão que aceitam isso.” (O Último Adeus, p. 185)
O Último Adeus trata-se do processo de luta de Alexis e de sua mãe, da negligência das instituições diante do suicídio, fala sobre perda, sobre superação e sobre dor. É uma história comovente que infelizmente é um cenário real em nossa realidade.
Morrer
É uma arte, como tudo mais.
Nisso sou excepcional.
Faço parecer infernal.
Faço parecer real. (Sylvia Plath, p. 165-199)
Existe morte ao nosso redor. Em todos os lugares para onde olhamos. 1,8 pessoa se mata a cada segundo.
Só não prestamos atenção. Até começarmos a notar. (O Último Adeus, p. 251)
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