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Resenha | Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Marquez.

Ficha Técnica

Título: Cem Anos de Solidão

Autor(a): Gabriel García Marquez

Edição: 2008

Ano de publicação: 1967

Páginas: 448

Editora: Record






Ler um clássico sempre é uma responsabilidade e esse meus amigos passou despercebido por mim durante anos. Eu volta e meia ouvia muitas coisas sobre esse mestre da literatura em várias aulas que tinha no curso que fazia, a propósito era Jornalismo. Em algumas frases de sua autoria que encontrei em pesquisas no Google quando tentava achar uma frase de efeito para colocar em uma camisa personalizada do curso de Jornalismo, achei essa que mais me impactou:


“Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte.”

Grande jornalista, ilustre pessoa, Gabriel García Márquez deu um novo tom ao jornalismo mundial, ganhador de um Nobel em 1982. Gabo apoiava um projeto destinado a pessoas que vivem de contar histórias reais para estimular as vocações, a ética e a boa narração no jornalismo.


Publicado em 1967, Cem Anos de Solidão é um relato sobre a condição latino americana. A história se passa na fictícia cidade de Macondo e vai narrar a vida peculiar de seus moradores assim como de seus fundadores, os Buendía. José Arcadio Buendía com sua mulher, Úrsula e munido de seus companheiros decidem sair de onde vivem e descobrem esse pedaço de terra ao qual dão o nome de Macondo.


Durante a leitura desse livro, o que mais me chamou atenção e me impressionou foi o modo como Gabo traçou e delineou as personagens femininas. Úrsula, Amaranta, Rebeca, Santa Sofía de La Piedad, Amaranta Úrsula, Pilar Ternera e até mesmo a intragável Fernanda Del Carpio são personagens tão fortes, intensas e muito reais. Em Cem Anos de Solidão, essas personagens empoderadas dão a base, sustentam, são o cimento que dá liga a mansão dos Buendía e a cal que afugenta as formigas. Elas são a sustentação, a lucidez, característica pouco presente nesse livro por causa dos diversos episódios de realismo fantástico, mas até mesmo esse detalhe consegue demonstrar realidade.



“Em casa, Amaranta bordava a sua interminável mortalha e Úrsula se deixava arrastar pela decrepitude até o fundo das trevas, onde a única coisa que continuava sendo visível era o espectro de José Arcadio Buendía debaixo do castanheiro. Fernanda consolidou a sua autoridade.”

A mansão dos Buendía que viu nascer tantos Aurelianos, José Arcadios, todos eles loucos em suas manias. Um por fazer guerras infindáveis e em sua cegueira pela raiva contra os conservadores acabam se perdendo em si mesmos. Outro por sonharem acordados e terem ideias mirabolantes, muito além de seu tempo, como as máquinas de fazer gelo, o trem com sua ferrovia, a busca incessante por querer transformar cobre em ouro, por querer chegar na pedra filosofal acabam enlouquecendo-os.



De todos os personagens a que eu mais me afeiçoei foi a Úrsula. Ela nos acompanha até o final da narrativa, mesmo que espectro, como todos os outros membros da família que habitam a mansão dos Buendía. Não sei explicar, mas ela tem uma força dentro de si, nada a abala, nada a faz temer.


Destemida ela se coloca na frente da fúria de seus filhos cegos pelo poder assim como dos militares que tentam a todo custo controlar Macondo. Sua força expressiva, sua coragem inabalável, sua personalidade forte vive além das páginas de Cem Anos de Solidão.


“Lembrando-se destas coisas enquanto aprontavam o baú de José Arcadio, Úrsula se perguntava a Deus, sem medo, se realmente acreditava que as pessoas eram feitas de ferro para suportar tantas penas e mortificações; e perguntando e perguntando ia atiçando a sua própria perturbação e sentia desejos irreprimíveis de se soltar e não ter papas na língua como um forasteiro e de se permitir afinal um instante de rebeldia, o instante tantas vezes desejado e tantas vezes adiado, para cortar a resignação pela raiz e cagar de uma vez para tudo e tirar do coração os infinitos montes de palavrões que tivera que engolir durante um século inteiro de conformismo.
- Porra! – gritou.
Amaranta, que começava a colocar a roupa no baú, pensou que ela tinha sido picada por um escorpião.
- Onde está? – perguntou alarmada.
- O quê?
- O animal! – esclareceu Amaranta.
Úrsula pôs o dedo no coração.
- Aqui – disse.”


O realismo fantástico é tão bem delineado que quando aparece não nos assombra, simplesmente se assimila. Os espectros dos membros já falecidos dos Buendía povoam e serpenteiam a grande mansão da família e são vistos com a maior normalidade possível.




“Acabava de dizer isso quando Fernanda sentiu que um delicado vento de luz lhe arrancava os lençóis das mãos e os estendia em toda sua amplitude. Amaranta sentiu um tremor misterioso nas rendas das suas anáguas e tratou de se agarrar no lençol para não cair, no momento em que Remedios, a bela, começava a ascender. Úrsula, já quase cega, foi a única que teve serenidade para identificar a natureza daquele vento irremediável e deixou os lençóis à mercê da luz, olhando para Remedios, a bela, que lhe dizia adeus com a mão, entre o deslumbrante bater de asas dos lençóis que subiam com ela, que abandonavam com ela o ar dos escaravelhos e das dálias e passavam com ela através do ar [...]”

A morbidez também tem vez nas páginas de Cem Anos de Solidão. É tudo tão primitivo e selvagem, que os personagens se veem diante de coisas que até um cético se questionaria.



“No décimo Natal, quando o pequeno José Arcadio já se preparava para viajar para o seminário, chegou com maior antecedência do que nos anos anteriores o enorme caixote do avô, muito bem pregado e impermeabilizado com breu e endereçado com o habitual letreiro de caracteres góticos à mui ilustre senhora dona Fernanda del Carpio de Buendía. Enquanto ela lia a carta no quarto, as crianças se apressaram em abrir a caixa. Ajudados como de costume por Aureliano Segundo, rasparam os lacres de breu, despregaram a tampa, tiraram a serragem protetora e encontraram dentro uma comprida arca de chumbo fechada com parafusos de cobre. Aureliano Segundo tirou os oitos parafusos diante da impaciência das crianças e mal teve tempo de soltar um grito e afastá-las para o lado quando levantou a tampa de chumbo e viu D. Fernando vestido de preto e com um crucifixo no peito, com a pele arrebentada em bolhas fedorentas e se cozinhando a fogo lento num espumoso e borbulhante caldo de pérolas vivas.”


O título do livro não está ali a toa, pois a solidão está entremeada e é praticamente um personagem que vive em meio a narrativa do Gabo. A solidão tortura, massacra, envenena e contamina os Buendía. Prisioneiros da solidão, eles pairam mortos pela mansão da família com seu ar solitário. É a sina dos Buendía.



O que também é interessante de citar aqui é como Amaranta e Remedios, a bela resistem aos encantos dos homens que tentam a todo custo lhe enredar em sua rede de sedução. Elas se mantem puras, castas. Depois do que lhe aconteceu com Pietro Caspi, Amaranta se fechou dentro de si mesma e fez da solidão sua companheira até a morte.


“O cavaleiro instalava, a partir de então, a banda de música junto da janela de Remedios, a bela, e às vezes até o amanhecer. Aureliano Segundo foi o único que sentiu por ele um compaixão cordial e tentou abalar a sua perseverança. “Não perca mais tempo”, disse a ele uma noite. “As mulheres dessa casa são piores do que as mulas.”


Cem Anos de Solidão me conquistou despretensiosamente com sua narrativa pitoresca e fantasiosa. Cada personagem com sua particularidade enriqueceu a narrativa e só somou ao livro. Foi o primeiro livro que li do Gabriel García Marquez e comecei muitíssimo bem. Seguirei firme lendo os demais romances do autor.

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