O Demônio do Meio-Dia, de Andrew Solomon.
- Isabela Lima
- 6 de mai. de 2018
- 11 min de leitura
Ficha Técnica
Título: O Demônio do meio-dia: uma anatomia da depressão (The Noonday Demon: Na Atlas of Depression
Autor (a): Andrew Solomon
Edição: 2017
Ano da publicação: 2001
Páginas: 579
Editora: Companhia das Letras.
“Tudo passa – sofrimento, dor, sangue, fome, peste. A espada também passará, mas as estrelas ainda permanecerão quando as sombras de nossa presença e nossos feitos se tiverem desvanecido da Terra. Não há homem que não saiba disso. Por que então não voltamos nossos olhos para as estrelas? Por quê?” Mikhail Bulgakov, O exército branco.

Anos atrás, vi uma palestra espetacular e inspiradora de Andrew Solomon e num lapso nesse ano procurei por obras que abordassem a depressão como tema. Mas não livros técnicos e enfadonhos, até porque não sou nenhuma estudiosa da área, apenas queria livros que falassem informalmente sobre a depressão. E eis que o Google me indicou O Demônio do Meio-Dia para ler.
Fiquei surpresa em saber que o carinha que tinha feito uma palestra no TED e que eu tanto gostara tinha livros que comentavam sobre o tema. E isso me fez comprar o exemplar e lê-lo.
Ainda não o terminei, estou quase no fim do epílogo à nova edição brasileira. E só tenho que elogiar a obra maravilhosa e emocionante que Solomon escreveu. É impossível não se identificar com o autor e com cada pessoa que Solomon inteligentemente relatou em suas páginas.
“A depressão é a imperfeição no amor. Para poder amar, temos que ser capazes de nos desesperarmos ante as perdas, e a depressão é o mecanismo desse desespero. Quando ela chega, destrói o indivíduo e finalmente ofusca sua capacidade de dar ou receber afeição. Ela é a solidão dentro de nós que se torna manifesta e destrói não apenas a conexão com outros, mas também a capacidade de estar em paz consigo mesmo. Medicamentos e psicoterapia podem renovar essa proteção, tornando mais fácil amar e ser amado, e é por isso que funcionam. Quando estão bem, certas pessoas amam a si mesmas, algumas amam a outros, há quem ame o trabalho e quem ame Deus: qualquer uma dessas paixões pode oferecer o sentido vital de propósito, que é o oposto da depressão. O amor nos abandona de tempos em tempos, e nós abandonamos o amor. Na depressão, a falta de significado de cada empreendimento e de cada emoção, a falta de significado da própria vida se tornam evidentes. O único sentimento que resta nesse estado despido de amor é a insignificância.” (O Demônio do Meio-Dia, p. 15)
A dor interminável, a solidão desoladora, a sua total falta de incapacidade te aprisionam, te encarceram dentro de si mesmo. A depressão é considerada pela OMS como o mal do século. Muito se fala sobre o assunto, mas pouco se sabe. Há muitos estudos em andamento, mas tudo ainda é um mistério. A estimativa de pessoas afetadas é de mais de 300 milhões de pessoas ao redor do mundo. É a principal causa de incapacidade laboral no planeta e, nos piores casos, pode levar ao suicídio.
Mais de 800 mil pessoas morrem em razão de suicídios todos os anos, a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.
O livro é dividido em doze capítulos que vão tratar respectivamente sobre: depressão, colapsos, tratamentos, alternativas, populações, vício, suicídio, história, pobreza, política, evolução e esperança.
Dentre os capítulos e no decorrer do livro há diversos testemunhos de pessoas que viveram e vivem o tormento que é ter depressão ou algum outro transtorno mental incapacitante. Solomon confindencia suas experiências mais assombrosas e solitárias, tudo o que passou e enfrentou durante todos esses anos vivendo com a depressão.
“Eu não era suficientemente forte para parar de respirar. Sabia que jamais poderia matar essa trepadeira da depressão. Assim, tudo que eu queria era que ela me deixasse morrer. Mas ela se apoderara de minha energia. Eu precisaria me matar, ela não me mataria. Se meu tronco estava apodrecendo, essa coisa que se alimentava dele estava agora forte demais para deixa-lo cair. Ela se tornara um apoio alternativo para o que destruíra. No canto mais apertado da cama, rachado e atormentado por essa coisa que ninguém parecia ver, eu rezava para um Deus no qual nunca acreditara inteiramente e pedia libertação. Teria ficado feliz com uma morte dolorosa, embora estivesse letárgico demais até para conceber o suicídio. Cada segundo de vida me feria. Porque essa coisa drenara tudo que fluía de mim, eu não podia sequer chorar. Até a minha boca estava ressecada. Eu pensava que, quando nos sentimos muito mal, as lágrimas jorrassem, mas a pior dor possível é a dor árida da violação total que chega depois de todas as lágrimas já terem se exaurido. A dor que veda cada espaço através do qual você antes entrava em contato com o mundo, ou o mundo com você. Essa é a presença da depressão severa.” (O Demônio do Meio-Dia, p. 18-19)
Solomon vai descrever os percalços e as dificuldades que uma pessoa com depressão tem. Fala sobre o diagnóstico, esmiúça a doença, o transtorno mental, traz especialistas importantes da área para falar sobre o assunto.
No primeiro capítulo, ele vai discorrer sobre a depressão num geral. Entre seus relatos pessoais, de tudo aquilo que passou, ele discorre sobre o tema. Em algumas passagens do livro terão uns termos mais específicos da área e umas fórmulas de química para exemplificar como tudo opera na nossa cabeça quando estamos com depressão. Admito que nessas passagens, eu apenas passava o olho sem entender bulhufas, mas isso torna o livro ainda mais completo.
O livro em si é bem pessoal porque Solomon vai nos contando como enfrentou seus demônios. No segundo capítulo, por exemplo, ele vai nos contar sobre os colapsos. Descreve cada colapso que teve com uma riqueza abundante de detalhes.
Ele vai falar sobre os diversos tratamentos, sejam eles terapêuticos ou fitoterapêuticos. Há uma vasta gama de possibilidades quando o assunto é tratamento para depressão e ele vai enumerando neste capítulo em específico.
Depois ele vai destrinchar as alternativas que as pessoas portadoras deste mal tem hoje em dia. No começo do capítulo, ele cita Anton Tchékhov, “Se há vários remédios para uma mesma doença, podem estar certos de que a doença não tem cura.” Solomon vai nos contar as infinitas e infindáveis alternativas para tratar a depressão.
No capítulo seguinte ele aborda com inteligência sobre a depressão em todos os âmbitos das populações. Comenta sobre a biologia de ambos os sexos: feminino e masculino e como eles chegam à depressão. Ele vai falar da praticamente nula literatura sobre a depressão masculina.
“A literatura ressalta muito as qualidades próprias da depressão das mulheres e diz pouco sobre qualquer qualidade característica da depressão dos homens. Muitos homens deprimidos não são diagnosticados, porque tendem a lidar com sentimentos de depressão não se retraindo em um silêncio de desânimo, mas retraindo-se no ruído da violência, no uso de drogas ou se tornando viciados em trabalho. As mulheres relatam duas vezes mais depressão que os homens, mas eles são quatro vezes mais propensos a cometer suicídio.” (O Demônio do Meio-Dia, p. 171)
No sexto capítulo, Solomon vai falar sobre os vícios que se contrai ao se estar com depressão. Ele fala do alcoolismo, do tabagismo, do vício ilícito em drogas como heroína, cocaína, LSD e centenas mais. Relata sem vergonha alguma de um passado onde usou drogas para tentar amainar e aplacar a dor que a depressão lhe causara.
No capítulo sete, se abordará a questão do suicídio e Solomon traz incontáveis autores que vão falar sobre o suicídio e como as pessoas são levadas a fazê-lo. Schopenhauer elucida:
O suicídio pode ser encarado como uma experiência, uma pergunta que o homem faz à Natureza, tentando força-la a responder. A pergunta é a seguinte: que mudança a morte produz na existência do homem e em seu insight da natureza das coisas? É uma experiência desajeitada, pois envolve a destruição da própria consciência que pergunta e espera a resposta.”
Plínio louva a ousadia de se cometer suicídio: Em todas as misérias de nossa vida terrena, poder abranger nossa própria morte é o melhor presente de Deus ao homem. John Donne, em Biathanatos, em 1621: “Quando, em qualquer momento, uma aflição me assalta, penso ter as chaves da prisão em minha própria mão e nenhum remédio se apresenta tão rapidamente a meu coração como minha própria espada”, e Schopenhauer declara, “que assim que os terrores da vida superem em peso o terror da morte, o homem porá um fim à própria vida.”
Logo a seguir ele falará sobre a história da depressão desde o começo dos tempos com Hipócrates. Na Idade Média, a depressão era vista como uma manifestação da hostilidade de Deus. O Renascimento romantizou a depressão e nos deu a melancolia tão conhecida. Os séculos XVII a XIX foram a era da ciência, onde muitos faziam experimentos para saber um pouco sobre a composição e função do cérebro e assim elaborar estratégias para refrear as mentes que estavam em descontrole. A era moderna, no início do século XX com Freud e Karl Abraham com a ajuda da psicanálise nos deram vocabulário para descrever a depressão e suas origens e é usada até hoje.
To each his suff’rings: all are men,
Condemn’d alike to groan,
The tender for another’s pain,
The unfeeling for his own.
[…]
No more; where ignorance is bliss,
‘Tis folly to be wise.
A cada um seu sofrimento: todos os homens estão
Igualmente condenados a gemer,
O terno pela dor de outro,
O insensível por sua própria dor.
Chega; onde a ignorância é benção,
É loucura ser sábio.
No capítulo nove, Solomon vai tratar da depressão que atravessa as classes sociais. Tanto o rico quanto o pobre sofrem do mesmo mal, apesar de que o pobre obviamente terá uma dificuldade messiânica de conseguir tratamento no sistema público para tratar de sua doença, enquanto o rico poderá ter os melhores e mais inovadores tratamentos pra depressão.
“A depressão atravessa a barreira de classes, mas o tratamento da depressão não. Isso significa que a maioria dos deprimidos pobres continua pobre e deprimida; na verdade, quanto mais tempo permanecem pobres e deprimidos, mais pobres e deprimidos se tornam. A pobreza é deprimente e a depressão é empobrecedora, levando à disfunção e ao isolamento. A humildade da pobreza é uma forma de relação passiva com o destino, uma condição que nas pessoas de maior poder denuncia a necessidade de tratamento imediato. Os pobres deprimidos se veem como extremamente desamparados, tão desamparados que não buscam nem aceitam apoio. O resto do mundo se distancia dos pobres deprimidos, e eles se distanciam de si mesmos: perdem a principal qualidade humana, o livre arbítrio.” (O Demônio do Meio-Dia, p. 321)
No capítulo dez, Solomon vai discutir a política em torno da depressão. O que políticos e pessoas do governo estão fazendo em prol das pessoas que são portadoras dessa doença. Ele também vai falar sobre as declarações que muitas pessoas públicas e famosas já fizeram e que estão ajudando a desestigmatizar a depressão na sociedade.
“É também assustador, mas comum que, não importa o que você diga sobre sua depressão, as pessoas não acreditam, a não ser que você pareça agudamente deprimido. [...] Um editor do New Yorker disse-me recentemente que eu na verdade nunca fora deprimido. Protestei que as pessoas que nunca sofreram depressão não fingem tê-la, mas ele não se convenceu. “Ora que diabo você tem para ser deprimido?” Eu fora engolido pela minha recuperação. Minhas histórias e meus episódios intermitentes pareciam irrelevantes; e o fato de eu declarar publicamente que tomava antidepressivos não o desconcertou. Esse é o lado estranho do estigma. “Não me convenço de todo esse negócio de depressão”, disse ele. Era como se eu e as pessoas sobre as quais escrevo conspirássemos para arrancar solidariedade extra do mundo. Deparei com essa paranoia vezes sem conta, e ela ainda me deixa atônito. Ninguém diz que taxas crescentes de câncer de pele estão na imaginação pública. Mas a depressão é tão assustadora e desagradável que muita gente simplesmente renega a doença e repudia os que sofrem dela.” (O Demônio do Meio-Dia, p. 350)
No capítulo seguinte aborda-se a evolução, o que se tem feito para melhorar a vida das pessoas que vivem com depressão. Questiona-se porque uma doença tão desagradável se manifestaria em grande parte da população mundial. Chega-se a dizer que às vezes pode ser um fator hereditário, passado de pai para filho, enquanto que pode durar toda uma vida e em outras ter uma remissão espontânea.
Há um impasse sobre o que seria a depressão em si. Seria uma desordem, como o câncer, ou um mecanismo de defesa como a náusea? Boa parte dos evolucionistas afirmam que a depressão seriam uma disfunção.
Há também o mistério que ainda não conseguiu ser desvendado sobre como a depressão afeta em vários níveis em diferentes pessoas. Alguns sofrem de depressão leve e ficam totalmente incapacitados, outros sofrem de depressão severa e mesmo assim transformam suas vidas.
Existe uma relação entre a doença e a personalidade: há pessoas que conseguem suportar melhor, enquanto que no outro, a dor o desestabiliza completamente. Solomon frisa:
“O mais importante a lembrar durante uma depressão é: não se recupera o tempo perdido. Ele não é somado ao final de sua vida para compensar os anos de desastre. O tempo devorado pela depressão está perdido para sempre. Os minutos que se vão com a doença são minutos que você não verá mais. Por pior que se sinta, terá que fazer tudo que for possível para continuar vivendo, mesmo que tudo que possa fazer no momento seja respirar. Aguente o tempo de espera e ocupe esse tempo tão plenamente quanto puder. Esse é o meu grande conselho para os deprimidos. Agarre-se ao tempo: não deseje que sua vida se desvaneça. Mesmo os minutos em que se sente que vai explodir são minutos de sua vida, e você jamais s terá de novo.” (O Demônio do Meio-Dia, p. 411)
Aqui vai um depoimento de uma das pessoas que Solomon entrevistou e que está no livro.
“Tudo que as pessoas fazem por mim é maravilhoso, mas ainda assim é tão horrível estar sozinho numa mente que se virou contra mim”. Da mesma forma, é horrível estar sozinho numa mente que se virou contra você. O que se pode fazer quando se vê outra pessoa presa na armadilha da própria mente? Não se pode arrancar o deprimido de sua infelicidade apenas com amor (embora se possa às vezes distraí-lo). Pode-se, às vezes, estar com a pessoa no lugar em que ela mora. [...] Às vezes, a maneira de estar perto é ficar em silêncio ou mesmo distante. Não depende de nós, do lado de fora, decidir; depende de nosso discernimento. A depressão é solitária acima de tudo, mas pode provocar o oposto da solidão. Muitos me perguntam o que fazer para ajudar amigos e parentes deprimidos, e minha resposta é simples: procure mitigar o isolamento deles. Faça-o através de xícaras de chá ou com longas conversas, sentando-se num aposento próximo e ficando em silêncio ou de qualquer modo que se ajuste às circunstâncias, mas faça-o. E faça-o com boa vontade.” (O Demônio do Meio-Dia, p. 418)
“Acho que parte da tristeza e da desilusão da depressão é que nós simplesmente não nos damos conta da lenta perda de nós mesmos.” (O Demônio do Meio-Dia, p. 468)
Antonio em O mercador de Veneza, se queixava:
Garanto que não sei por que estou triste;
A tristeza me cansa, como a vós;
Mas como a apanhei ou contraí,
Do que é feita, ou do que terá nascido,
Ainda não sei.
A tristeza me fez um tolo tal
Que é difícil até saber quem sou.
O Demônio do Meio-Dia é altamente esclarecedor, não por oferecer fórmulas mirabolantes e milagrosas para o fim do mal da depressão, mas por humaniza-la. Solomon conseguiu um feito incrível. Livros como esse são necessários para fazer com que a centena de pessoas que ainda persistem em não acreditar que a depressão é uma doença que assola milhares de pessoas no mundo todo. Como não veem sintomas físicos, acreditam que é muito fácil para a pessoa doente curar o que tem. Mas como curar a dor que se carrega na alma? Como curar algo que aparentemente não se pode tocar, medir para que se possa refrear? A depressão não é um simples machucado de joelho ralado, onde se soluciona com um borrifar de um antisséptico. A depressão se encontra na mente, sem controle para que a pessoa que a tenha possa fazer alguma coisa. O que se tem são os antidepressivos e tratamentos que tentam amenizar essa dor, mas não se tem uma cura.
Acredito que a moral desse livro é olhar o outro que possui depressão com mais carinho e humanidade. Livro incrível, pra você que possui depressão seria muito bom lê-lo, para mim foi reconfortante. Me identifiquei com cada linha, com cada relato. A solidão da depressão se amainou um pouco ao ler as páginas de O Demônio do Meio-Dia ao saber que não estou sozinha.
O verão, tal como o inverno, voltará. Aprendi a imaginar que estou me sentindo bem mesmo quando estou no fundo do poço – e essa habilidade duramente aprendida infunde na escuridão demoníaca a luz do meio-dia. (O Demônio do Meio-Dia, p. 469)
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